Cida Stier

E seguimos para a segunda parte da nossa série Grandes Comunicadores da História. Se você ainda não leu a parte 1, ela está disponível aqui.

Mahatma Gandhi: comunicar pela serenidade

Quando falamos em revoluções, resistência política e processos de colonização e independência de nações, em geral vislumbramos conflitos armados, confrontos bélicos e derramamento de sangue. Sabemos que a liberdade e os direitos humanos, mesmo que nobres valores da nossa civilização, na maioria das vezes, só foram conquistados às custas de muito combate, violência e, infelizmente, vidas humanas. Mas a escolha pela luta violenta não é um caminho inevitável e isso nos provaram homens como Mohandas Karamchand Gandhi.

Gandhi foi um líder espiritual e político indiano que desempenhou um papel fundamental na conquista da independência da Índia frente ao domínio colonial britânico. Entre as muitas virtudes que ele personificava, a serenidade foi uma das mais marcantes. Gandhi era conhecido por sua tranquilidade mesmo diante de situações profundamente desafiadoras. Ele enfrentou adversidades e hostilidades com uma serenidade incomum, recusando-se a responder à violência com violência. Sua abordagem pacífica e não violenta, chamada de Satyagraha, baseava-se na crença de que a verdade e o amor eram armas poderosas para a transformação social.

A serenidade de Gandhi não significava passividade, mas sim uma força interior que o impulsionava a agir com sabedoria e compaixão. Ele acreditava que a mansidão era uma virtude essencial para manter a clareza mental e tomar decisões ponderadas, sem se deixar levar pelas emoções negativas. Mesmo em meio à turbulência e à agitação política, Gandhi buscava a paz interior e a harmonia consigo mesmo através do cultivo do autocontrole. De fato, tão complexa era a situação política da Índia que um líder que não tivesse a mente equilibrada e tranquila, dificilmente teria conseguido superar os desafios que se apresentavam. Através da meditação, da introspecção e do contato com as raízes de sua identidade hindu, Gandhi fortaleceu sua capacidade de enfrentar os desafios externos com uma mente serena e uma perspectiva clara.

A grandeza de sua luta política e de seu caráter renderam-lhe o título “Mahatma”, que em sânscrito significa “Grande Alma”.

De fato, Gandhi comunicou os ideais de liberdade e dignidade do povo indiano a partir de pilares profundamente alicerçados na religiosidade e cultura milenar de seu país. Sua tese fundamental partia do pressuposto que a opressão apequena quem oprime e não o oprimido, e por isso, é preciso responder ao domínio tirânico com as armas da altivez do caráter que não se curva, mas também não se permite reproduzir a violência do dominador.

Aprendemos do mestre indiano que a comunicação não se dá por imposição nem da força, nem das palavras. Antes, parte da serenidade que brota da convicção de seus valores, competências e objetivos. Quem deseja, de fato, liderar ou influenciar multidões, não levanta sua voz, não ameaça e nem se desespera diante dos percalços encontrados, mas busca na conexão consigo mesmo, sua jornada e seu propósito, a força para transmitir uma mensagem genuína, inspiradora e de liberdade.

Frida Kahlo: comunicar pela arte

Frida Kahlo, uma das mais influentes artistas do século XX, tornou-se célebre por convergir sua notável habilidade artística com sua profunda expressividade emocional. Através de suas obras, Kahlo transmitiu uma intensidade visceral que cativa e comove até os dias de hoje.

A arte de Kahlo é uma janela para sua vida turbulenta e suas experiências pessoais. Ela pintava principalmente autorretratos, usando sua própria imagem como uma forma de autorrevelação. Sua paleta de cores vibrantes e suas representações simbólicas capturam a luta contínua com a dor física e emocional que a acompanhou durante toda a vida.

A expressividade de Kahlo está intrinsecamente ligada às suas experiências pessoais e aos desafios que enfrentou. Sua vida foi marcada por um acidente de ônibus que a deixou com lesões graves, incluindo uma fratura na coluna vertebral. Ela passou por inúmeras cirurgias e tratamentos médicos ao longo dos anos, e a dor física constante tornou-se uma parte indissociável de sua existência. Essa dor e o sofrimento resultante de um casamento tumultuado por infidelidades foram frequentemente retratados em suas obras.

A arte de Kahlo vai além de uma mera representação visual de suas experiências. Ela usa símbolos e elementos surrealistas para transmitir suas emoções de maneiras profundas e complexas. Suas obras estão cheias de metáforas visuais e referências de suas raízes mexicanas, como as flores, animais e o traje tradicional Tehuana. Esses símbolos são utilizados para expressar questões como identidade, feminilidade, maternidade e mortalidade.

Kahlo nos revela que a arte comunica experiências que o discurso não alcança ou é incapaz de traduzir. É por isso que o bom comunicador também dialoga através de imagens, sons, símbolos e movimentos. A comunicação é muito mais do que uma série de técnicas de oratória, mas uma relação complexa e total entre o indivíduo que comunica, a mensagem que se pretende transmitir e os interlocutores que desejamos atingir. Desenvolver a sensibilidade artística, portanto, é uma tarefa fundamental para aquele que deseja qualificar sua comunicação ao máximo.

Jô Soares: comunicar pelo humor

O Brasil é um país pródigo em humoristas. Há inclusive quem diga que o humor é um traço marcante da alma do brasileiro. Somos um povo que sabe rir sobretudo dos próprios problemas e que se utiliza do alívio cômico para dar conta dos desafios da vida. Mas, se por um lado todo brasileiro tem um quê de humorista, notáveis são aqueles que atingiram a excelência da arte de fazer rir. José Eugênio Soares, foi um deles.

 Nascido no Rio de Janeiro em 1938, Jô Soares, como ficou conhecido, foi um ícone da televisão brasileira, hábil em utilizar o humor como forma de comunicação. Ao longo de sua carreira, ele se destacou como um dos mais talentosos comediantes e apresentadores do país, usando o riso como uma poderosa ferramenta para transmitir mensagens, criar conexões e entreter o público.

O segredo da comunicação de Jô Soares estava em sua capacidade de encontrar o equilíbrio perfeito entre o humor inteligente e a sensibilidade emocional. Seu estilo único combinava ironia, sarcasmo e uma sagacidade afiada, que lhe permitia abordar assuntos complexos e controversos de forma leve e acessível. Ele tinha o dom de transformar questões sérias em piadas inteligentes, desarmar tensões e estimular reflexões.

Ao longo de sua carreira, Jô demonstrou uma incrível versatilidade em sua comunicação através do humor. Ele criou personagens marcantes e imortalizou bordões que se tornaram parte do vocabulário popular. Seus programas de entrevistas eram conhecidos por seu tom descontraído e espontâneo, permitindo que seus convidados se sentissem à vontade para compartilhar histórias pessoais e experiências de vida de maneira genuína.

Jô, no entanto, tinha um trunfo fundamental para a sua criatividade humorística: sua erudição e vasta cultura. O timing perfeito da piada exige de qualquer comunicador não só um raciocínio rápido, mas também a cultura e a sensibilidade necessárias para propor conexões de ideias plausíveis, mas ao mesmo tempo improváveis e surpreendentes.

A comunicação pelo humor é um poderoso instrumento para gerar vínculo imediato e abrilhantar o carisma de qualquer um. No entanto, a mesma potência que a piada tem para unir e cativar, ela pode ter para gerar desconforto e antipatia. Por isso, é preciso sempre muito bom senso e inteligência para se aventurar no uso da comédia na hora da comunicação. O exemplo de Jô Soares nos ensina, sobretudo, que a comunicação pelo humor deve ser respeitosa, gentil e agregadora, pois a piada que fere e expõe os demais já perdeu, há muito tempo, a graça.  

Malala Yousufzai: comunicar pelo compromisso

 “Eu te dou a minha palavra!”

Esta expressão, que progressivamente vem caindo em desuso, demonstra um valor que permeou diversas culturas ao longo da história: a palavra, a fala, é compromisso. Nas comunidades tradicionais, onde não existem cartórios, assinaturas e penhoras, a honra de uma pessoa está vinculada aquilo que ela disse, porque falar não compromete apenas um bem, mas a pessoa por inteiro. No final das contas nós somos aquilo que fazemos a partir do que anunciamos. Quem fala, mas não faz ou faz o oposto do que diz é alguém desintegrado, “inconfiável”, pois carece de identidade. Quem fala ao léu é imaturo ou irresponsável, ainda não sabe quem é ou quer fingir ser outro alguém. Desmascarado em sua mentira ou leviandade, perde a credibilidade inclusive naquilo em que pretende cumprir ou de fato faz, porque penhorou sua idoneidade com palavras vãs e descompromissadas. Ao contrário, aquele cujo discurso é reflexo de seu engajamento real, sempre cresce em reputação e torna-se admirável em seu meio.

A jovem paquistanesa, Malala Yousafzai, por exemplo, tornou-se um símbolo inspirador de compromisso e idoneidade. Sua coragem e dedicação incansável em defesa da educação para meninas são um exemplo poderoso de como um indivíduo pode fazer a diferença e catalisar mudanças significativas na sociedade. Ainda na infância, Malala acreditava firmemente no direito de todas as crianças, independentemente de seu gênero, de receberem uma educação de qualidade. Ela viveu na pele a negação desse direito básico quando o Talibã tomou o controle de seu vale no Paquistão e proibiu as meninas de frequentarem a escola. Mas em vez de permanecer em silêncio diante dessa injustiça, Malala decidiu agir.

Malala começou a se manifestar publicamente em defesa da educação, escrevendo anonimamente para um blog da BBC sob um pseudônimo. Ela compartilhava suas experiências e opiniões sobre o direito à educação e o impacto devastador da opressão do Talibã. Sua voz corajosa e suas palavras sinceras atraíram a atenção mundial, destacando a situação das meninas em regiões onde a educação era negada.

No entanto, o compromisso de Malala com sua causa foi colocado à prova de uma forma chocante e trágica. Em 2012, aos 15 anos, ela foi alvo de um ataque brutal, sendo baleada na cabeça por membros do Talibã enquanto voltava da escola. O ataque visava silenciá-la e desencorajar outros defensores da educação. No entanto, ao sobreviver a esse ataque covarde, Malala se tornou um símbolo ainda mais forte de resistência e determinação.

Após sua recuperação, Malala emergiu como uma líder global, dedicando sua vida a promover a educação para meninas ao redor do mundo. Ela fundou a Fundação Malala, uma organização que trabalha para garantir que todas as meninas tenham acesso a uma educação de qualidade e segura. Ela também defendeu seu caso perante líderes mundiais e organizações internacionais, levando a questão da educação para o centro do palco global.

Malala nos mostra que o compromisso comunica uma identidade e a comunicação firma um compromisso.  Quando falo e sobre o que falo, implico-me por inteiro, meus valores, meus desejos, meu ser. Por isso, a comunicação transforma em primeiro lugar aquele mesmo que fala, pois ele é o primeiro destinatário de suas próprias palavras. Os ouvidos mais próximos da nossa boca são os nossos, afinal. A boa e verdadeira comunicação é poderosa justamente por isso: ela tem o poder de revolucionar o mundo ao seu redor, a começar por aquele que fala. 

O bom comunicador revela-se, reafirma-se e assume sempre um compromisso vital consigo e com os demais. Por isso, se desejas se comunicar bem, o primeiro compromisso que deves assumir é consigo mesmo. Conhece-te a ti mesmo e faz da tua comunicação um exercício de integridade!

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